Kalil Cury, há muitos anos autoridade e ativista de Sustentabilidade, publicou em co-autoria com Roberto Wack este interessante artigo sobre Economia Circular.
Vale a pena ler!
A corrida concorrencial pelos campeões da circularidade está aberta
Em artigo, Roberto Waack e Kalil Cury Filho trazem um panorama e as discussões feitas no Fórum Mundial de Economia Circular, que aconteceu no começo do mês, em Helsinki.
Por Roberto Waack e Kalil Cury Filho (23 de junho de 2023)
No início deste mês, diversos participantes das iniciativas pública, privada e da sociedade civil se reuniram em Helsinki para o Fórum Mundial de Economia Circular.
A definição dada por membros da Comunidade Europeia durante o evento resume bem o conceito: a economia circular deve ser vista como um instrumento para dissociar o crescimento econômico do uso de recursos naturais e seus impactos ambientais.
De maneira geral, busca-se menor e melhor uso de materiais através de design, eficiência, ciclos de vida mais longos e menor impacto ambiental – o que implica expressivas mudanças econômicas, sociais e culturais.
O ponto de partida é a constatação de que a humanidade está vivendo fora do balanço do uso dos recursos naturais. O uso global de materiais mais que triplicou desde 1970. E, hoje, a média mundial do uso de materiais demandaria 1,6 planeta. Leia mais Artemisia cria fundo de crédito para startups de economia circularCircular Brain levanta capital para alavancar reciclagem de eletrônicosBraskem compra Wise para escalar produção de plástico reciclado Nos corredores do evento, os comentários são familiares para aqueles que participaram dos debates sobre sustentabilidade e mudanças climáticas nos últimos anos.
Constatações de que ações falam mais alto que palavras se aliam a evidentes lacunas no campo financeiro: “o capital financeiro fala, mas não escuta” ou, para os mais grosseiros, “coloque o dinheiro onde está sua boca!”.
A pandemia e a guerra da Ucrânia fizeram soar o alerta da autossuficiência alimentar e energética em vários países, o que tem servido de estímulo para políticas voltadas para o aumento da eficiência no uso de recursos naturais.
Contudo, o fato é que o debate sobre recursos naturais podem ser fonte de emoções, inspirações e estudos científicos, mas não está incorporado ao mainstream econômico. Concretamente, não existe economia de proteção da natureza. Pelo contrário, os alicerces econômicos tradicionais se fundamentam no uso e exaustão de recursos naturais.
Aos poucos, o debate sobre a internalização de custos das chamadas externalidades parece estar se transformando em práticas. A taxação de carbono é apenas um exemplo da migração de passivos morais para legais e regulatórios. A Finlândia implementou um carbon tax em 1990. A valoração ou até monetização de ativos naturais – price tag on nature – é tendência.
Protocolos, como o Natural Capital Protocol, aliados a metodologias contábeis para capital natural e para capital social nos balanços e reportes de países e empresas são crescentes demandas de investidores, bancos e reguladores de mercado de capitais.
No limite, busca-se análises de impacto e de retorno financeiros combinados com a construção de capital natural e social.
A combinação entre políticas públicas e estratégias empresariais, além da incorporação de práticas pontuais ligadas ao ESG, demanda, em muitos casos, a revisão completa de modelos de negócio, de produção, comercialização, comunicação e relacionamento com consumidores.
Não raramente isso envolve investimentos e capital de giro expressivos, aplicados em ambiente ainda emergente, incerto e volátil. A eficiência no uso de recursos naturais é determinante e, neste contexto, os efeitos da inação podem ser desastrosos. A corrida concorrencial para definir os campeões da circularidade está aberta.
Design de produtos Neste jogo, o design de produtos e processos é central. Exemplos das mais diversas naturezas se apresentam:
ciclos de vida alongados,
facilidade de reuso e reparação,
aptidão para desmontagens,
reciclagem de componentes e matérias primas,
redução do uso de matérias primas críticas, de componentes relacionados a combustíveis fósseis e emissões de gases de efeito estufa,
amplificação de componentes biológicos renováveis,
eficiência na logística de distribuição e reciclagem,
eficiência energética e outras frentes das mais diversas naturezas.
Alguns segmentos altamente geradores de emissões e resíduos são alvos evidentes: construção civil e plásticos.
O primeiro grupo aborda temas como planejamento urbano, habitação, mobilidade e transição energética. Outros temas em voga são a contraposição do uso de cimento a bio materiais, recicláveis e reciclados, planejamento e reuso de materiais em demolições; equilíbrio entre modernizações e novas construções no que tange a eficiência energética e uso de materiais. Cerca de 70% da população mundial habita centros urbanos, responsáveis por um percentual equivalente das emissões globais de CO2. A maior parte do uso de materiais se dá em cidades, 50% na construção civil. O campo dos plásticos aborda alternativas de eliminação via uso de materiais biológicos ou renováveis; eficiência de design; redução; reuso; reciclagem e as fronteiras tecnológicas de processamento mecânico, ou químico; coleta, separação, lavagem e processamento. Indicação de responsabilidades pela gestão e financiamento de processamento de resíduos e reciclagens e regulamentações e políticas fiscais para inclusão de externalidades baseadas em estimativas de custos sociais, ambientais e para saúde no custo de materiais virgens – e consequente equilíbrio de preços entre produtos virgens e reciclados – também são assuntos debatidos pelo setor.
Informar para transformar No frenético contexto de crises e mudanças que nos cerca, informação é vital. Há amplo reconhecimento da necessidade de se estabelecer bases de dados confiáveis e abertos, informações sobre experiências, definir taxonomias, padrões, normas, certificações, métricas, indicar métodos de rastreabilidade, monitoramento, sistemas de accountability. A implementação de passaportes digitais, contendo informações para consumidores intermediários e finais sobre a circularidade e “pegadas” dos produtos é tendência.
Circular washing, circular hushing, circular wishing são termos ironicamente utilizados, mas já alvos de litigância por informações falsas e compromissos infundados. Lacunas em circularidade e monitoramento de fornecedores indiretos são calcanhares de Aquiles das empresas.
Os sinais estão dados, e como no campo climático, parafraseando a economista costarriquenha referência em mudanças climáticas Christiana Figueres, devem estar acima dos ruídos. O jogo parece estar na mão do mundo empresarial.
* Roberto S. Waack é presidente do conselho do Instituto Arapyaú e membro do conselho de administração da Marfrig. Kalil Cury Filho é diretor do departamento de desenvolvimento sustentável da Fiesp e presidente da Partner Desenvolvimento.
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